terça-feira, 16 de março de 2010

LUGAR-COMUM



"Putz! O que ela quer dizer com 'reprodução do senso comum?' Eu até a vejo com uma bela e reluzente caneta vermelha, ansiosa para retalhar e retaliar meu texto com inúmeros códigos, quando não escreve com letras GARRAFAIS que ele está impregnado de um tal de 'clichê' ou 'lugar-comum'. Será que isso é de comer ou de passar no cabelo?"
Pois bem, meu caro aluno, se acaso esses pensamentos profanos e insanos já lhe ocorreram, acho que este post vai lhe ajudar a decifrar essas minhas observações "fanfarronas".

Um texto impregnado de lugar-comum:
"Devagar se vai ao longe, porque a pressa é inimiga da perfeição e a esperança é a última que morre. É fato que o brasileiro é preguiçoso por natureza, mas graças a Deus aqui não há preconceito racial – somos um povo que tem horror à violência; nossa índole pacífica é proverbial no mundo inteiro. Se o homem tomasse consciência do valor da paz, não haveria mais guerras no mundo – bastava que cada um parasse para pensar na beleza do sorriso de uma criança e descobrisse que mais vale um pássaro na mão do que dois voando. A paciência é a mãe das virtudes, mas só com determinação e coragem haveremos de resolver nossos problemas. O que estraga o Brasil são os políticos; sem eles estaríamos bem melhor, cada um fazendo a sua parte. Hoje em dia, felizmente, as mulheres estão entrando no mercado de trabalho porque, segundo pesquisadores americanos, elas são muito mais caprichosas que os homens. Já os homens, conforme uma conclusão do conceituado Instituto de Psicologia de Filadélfia, são muito mais desconfiados e estão sempre querendo mais. As pesquisas eleitorais nunca acertam porque são todas compradas. Mas a verdade é que o amor, quando autêntico, resolve tudo. O que não se pode esquecer jamais é que a esperança existe – e sempre existirá!"

Devagar se vai ao longe, porque a pressa é inimiga da perfeição e a esperança é a última que morre. É fato que o brasileiro é preguiçoso por natureza, mas graças a Deus aqui não há preconceito racial – somos um povo que tem horror à violência; nossa índole pacífica é proverbial no mundo inteiro. Se o homem tomasse consciência do valor da paz, não haveria mais guerras no mundo – bastava que cada um parasse para pensar na beleza do sorriso de uma criança e descobrisse que mais vale um pássaro na mão do que dois voando. A paciência é a mãe das virtudes, mas só com determinação e coragem haveremos de resolver nossos problemas. O que estraga o Brasil são os políticos; sem eles estaríamos bem melhor, cada um fazendo a sua parte. Hoje em dia, felizmente, as mulheres estão entrando no mercado de trabalho porque, segundo pesquisadores americanos, elas são muito mais caprichosas que os homens. Já os homens, conforme uma conclusão do conceituado Instituto de Psicologia de Filadélfia, são muito mais desconfiados e estão sempre querendo mais. As pesquisas eleitorais nunca acertam porque são todas compradas. Mas a verdade é que o amor, quando autêntico, resolve tudo. O que não se pode esquecer jamais é que a esperança existe – e sempre existirá!"


O conjunto de frases acima – que você deve ter passado os olhos com a sensação de já tê-lo lido antes algumas centenas de vezes – é uma amostragem da mais terrível praga dos textos argumentativos – o lugar-comum, também conhecido como chavão ou clichê.

O mal do lugar-comum não está propriamente no fato de ser uma expressão muitas vezes usada. O que merece é aquele que aparece justamente para substituir a reflexão. No texto escrito, ele normalmente cumpre a função de, ao resolver tudo numa frase feita de sabedoria universal e indiscutível, eliminar qualquer necessidade argumentativa. Ora, onde a fumaça a fogo! O lugar-comum, pela sua natureza indiscutível, acomoda todo o processo de conhecimento numa sabedoria que não nos pertence; ela já está pronta, passa de geração a geração, de professor a aluno, de vizinho a vizinho, de texto a texto.

O lugar-comum está presente tanto nas piadas que reforçam preconceitos (contra raça, religião, etnia...), quanto nas afirmações absolutas, completas e “sensatas” sobre os fatos que nos rodeiam. O lugar-comum não contesta, não transforma e não cria nada – apenas repete.



Saber reconhecer o lugar-comum é a primeira tarefa de quem quer se livrar deles. Não é tão fácil assim, porque o chavão permeia todos os pontos de vista. Não é só de provérbios inofensivos que ele vive; muitas vezes, a argumentação inteira se sustenta sobre conceitos tão genéricos e vagos que se reduzem a nada. A face mais evidente deste tipo de generalidade vazia é o uso de entidades como “o Homem” , “o Mundo” , “os Políticos” , “ o Jovem” ..., como se as sociedades fossem todas constituídas de blocos absolutamente homogêneos.

Bem, como você já descobriu o que é clichê, lugar-comum, chavão ou "reprodução do senso comum", vou listar agora alguns "pecados mortais" da sua redação:

1. Para iniciar a redação (primeira linha do primeiro parágrafo):
- Atualmente...
- Antigamente...
- Hoje em dia...
- Nos dias de hoje...
- No mundo de hoje...
- No mundo em que vivemos...
- Desde os primórdios da nossa existência...
- Para início de conversa...
- Iniciando o meu trabalho...
- Dando início à minha redação...

2. Para iniciar o último parágrafo da redação:
- Finalizando o meu trabalho...
- Concluindo...
- Resumindo tudo o que eu disse antes...
- Em síntese...
- Em resumo...
- Arrematando tudo com chave-de-ouro...
- Para finalizar...

3. De modo geral:
- Como já dizia meu avô...
- A esperança é a última que morre...
- Quem avisa amigo é...
- Quem espera sempre alcança...
- Deus dá o frio conforme o cobertor...
- Quem trabalha Deus ajuda...
- Deus ajuda quem cedo madruga...
- Dar a volta por cima...
- Agradar a gregos e troianos...
- Chegar a um denominador comum...
- Colocando um ponto final...
- De mão beijada...
- De vento em popa...
- Depois de um longo e tenebroso inverno...
- Do Oiapoque ao Chuí...
- Ensaiar os primeiros passos...
- Faca de dois gumes...
- Fazer das tripas coração...
- Passar em brancas nuvens...
- Pôr a casa em ordem...
- Pôr as barbas de molho...
- Pôr a mão na massa...
- Procurar chifre em cabeça de cavalo...
- Tábua de salvação...
- Tirar o cavalo da chuva...
- Pecado mortal...

OBSERVAÇÃO - Estas últimas expressões podem ser empregadas coerentemente, desde que predomine a criatividade. Às vezes, os lugares-comuns denotam ironia. Nesse caso, ao invés de depreciar, valorizam o texto em que se inserem.


E, se você usar um lugar-comum, vou novamente pôr aqueles comentários
que já são comuns (ou lugar-comum). A ideia é que "água mole em pedra dura tanto bate até que fura".

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